Adonis Galvão: as influências da cultura tupi na Madeira

Apresentamos-te o artista visual responsável por criar o novo logótipo do La Vida es Mara e que encontra no tropicalismo uma fonte de inspiração. Nascido no Brasil, filho de pai português e mãe brasileira, Adonis Galvão é um artista visual que nos últimos meses tem aprofundado as influências das culturas brasileira e tupi na cultura portuguesa. Para Adonis, houve uma troca constante entre essas linguagens, entre as suas artes e as suas gentes e que, mesmo nos dias de hoje, está enraizada na nossa identidade.

Foi com base nesse fluxo intercultural e na sua visão da arte como uma janela para um mundo sem fronteiras, que convidamos Adonis Galvão a criar o novo logótipo do La Vida es Mara. O foco deste projeto continua a ser o de promover um estilo de vida e turismo mais sustentáveis, e graças ao Adonis conseguimos capturar essa essência, principalmente através das suas precisas formas geométricas que, permitem a qualquer pessoa viajar pela sua mente.

Hoje, queremos mergulhar mais profundamente no trabalho artístico de Adonis Galvão, explorando a identidade da sua obra, algumas das suas influências, a fim de perceber como é que um artista nascido na cidade de Cataguases (que significa “Gente boa em Tupi”) está a enriquecer o cenário cultural e artístico da Região Autónoma da Madeira.

 
 
 
 
 
 
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Como descreves a tua relação com a Madeira e como foi chegar à ilha? Na Madeira estou a meio caminho de ambos continentes e lido bem com a multiplicidade. O fato da Ilha da Madeira ter influências brasileiras e tropicais foi decisivo para morar aqui. Além disso, cuido do Caju, uma ave brasileira, e ele adora goiaba e calor, portanto para ele isto aqui é bom.

Ao visitar à Ilha da Madeira pela primeira vez, ao sair do avião, tomei uma lufada de ar quente e húmido e pensei “Hum, reconheço isto!”. Em seguida fui apresentado à poncha, ví uma cidade com boa arte pública, pessoas que são hospitaleiras, alegres e uma natureza exuberante me fizeram sentir muito bem ambientado. Vi na Madeira um Portugal Tropical! Araçá, pitanga, jacarandá…como não gostar? Essas curiosamente são palavras Tupi, uma das mais de 300 línguas dos povos originários do Brasil. Por exemplo, o português falado no Brasil tem mais de 1000 palavras indígenas.

A minha formação está permeada de influências multi-étnicas e acho isso bastante rico. A Madeira tem um pouco desse tempero. Não pareço estar muito longe do meu quintal!

Quais são as tuas maiores influências artísticas?

Sou influenciado pelo Tropicalismo de Hélio Oiticica, um artista brasileiro contemporâneo que pensa a arte desde a arte concreta até uma experiência expandida da pintura. Neste momento, olho para o trabalho de Glauco Rodrigues, Luiz Zerbini e Rosana Paulino. Em Portugal, gosto da pintura da Paula Rego e admiro Vhils. Mas é a Grada Kilomba que destaco pela postura ativa e pelo discurso. Ela é uma das curadoras da Bienal Internacional de Arte de São Paulo deste ano, é a Grada Kilomba que destaco pela postura ativa e pelo discurso. 

Na Madeira, a primeira artista com a qual tive contacto através do trabalho foi a Fátima Espínola... Gosto da sua pintura. Há muitos artistas que me empolgam, alguns deles através de diálogos visuais, mas silenciosos.

Referente à Madeira, gosto da artista Lourdes Castro pelo conceito de sombra nas suas obras, ao qual a artista socorreu para “relacionar a percepção do imaterial com a necessidade de materialidade do espaço plástico”. É como destaco, dar visibilidade a temas invisibilizados na sociedade, torná-los perceptíveis. E pesquiso também o percurso na Cultura de João Carlos Abreu, amplamente reconhecido como responsável pela identidade contemporânea da Madeira, em temas que fazem parte da minha narrativa, destacando e o chamamento que ele propõe ao espectador, o tirando de uma postura meramente contemplativa da arte para uma para a participação mais engajada, como vemos no Carnaval, na Festa da Flor e até no incentivo à arte pública e fomento à poesia. Participar como experiência artística proporcionando mudança de hábitos, neste caso, tornando a Madeira mais aberta ao mundo, sem perder identidade mas somando.

Será que nos poderias descrever o processo criativo de uma das tuas obras?

A pintura é uma linguagem. Pinto em cores o meu vocabulário particular e com ele tento dialogar com o outro, destacando pontos, cenas, sensações que possam dar conta da forma como vejo o mundo. Mais do que a origem das coisas, interesso-me pela forma como elas se relacionam neste novo território. Destaco principalmente as referências visuais que reconheço em mim, por exemplo, as plantas, as frutas, geralmente oriundas das Américas e que são parte da identidade da Ilha da Madeira, inseridas num contexto urbano. Outro ponto é observar como nos relacionamos entre nós e a natureza e como os ruídos contemporâneos impactam essa perceção.

O que queres dizer com este fluxo transatlântico e partilha de elementos sociais, culturais e históricos entre a Europa, a América e África?

Eu pesquiso os múltiplos temas relacionados à história que nos dizem respeito, desde as colonizações e os fluxos migratórios até o momento atual onde há um movimento descolonial. Somos o resultado desses movimentos. Por exemplo, antes da sua descoberta, não haviam pessoas na Ilha da Madeira, são todos estrangeiros de alguma forma.

Eu próprio sou o fruto de muitos fluxos migratórios e tenho orgulho das minhas origens. Embora muitas pessoas desconheçam as suas origens, são o resultado de muitas contribuições genéticas. Alguns encontros não foram pacíficos, moral ou eticamente aceitáveis hoje em dia, mas reconhecer e respeitar essas origens e as diferenças faz com que possamos alterar padrões. As pessoas precisam ser respeitadas, independente de suas origens, credo ou género. Existem várias ações reparadoras para corrigir erros históricos.

Há alguma mensagem específica que desejes transmitir através dos teus trabalhos?

Adonis Galvão
Anonma Cherimoya e melro-preto
Pintura a óleo sobre tela
70×70 cm
2023 © Adonis Galvão

Não tenho uma mensagem específica, proponho caminhos, reflexões, geralmente cenas visuais que estão por aí… Eu só faço uma escolha, uma edição visual que se traduz como eu vejo o mundo. Eu adoro as formas e as cores da natureza. Tenho cada vez mais apreço pelo animais, um senso ampliado de respeito e compaixão com os seres em geral.

Pinto o que gosto, há coisas que precisam ser vistas, relembradas, retiradas de um certo anestesiamento geral que privilegia o consumo desenfreado que consome tudo ao redor. Acho que a maior dificuldade é dar voz às nossas percepções, conseguir materializar em arte o que nos impulsiona a viver. Economicamente a vida de artista é um desafio. Precisamos de mais mecenas, compradores e investidores que possam expandir o acesso da arte a mais pessoas. Eu faço o que me motiva.

Acreditas que a arte pode desempenhar um papel transformador ou influenciar a forma como as pessoas veem o mundo?

Um amigo meu dizia que o ser humano é um ser artificial, não há nada de natural no que fazemos, tudo são escolhas. Até as pessoas que se dizem normais, na verdade são normatizadas, ou seja, tudo é uma escolha, como a roupa que usam, as cores, os seus hábitos, a forma como veem o mundo. A arte tende a ser mais livre e questionadora. E sim, ora influencia, ora é influenciada pois para ter algum alcance, a arte precisa de minimamente de códigos que a ampare, como num fio condutor na História da arte para poder avançar.

Mas esse fio também não é tão linear, principalmente na pintura que se nutria da ambivalência, negação e superação, ou seja nega-se uma tendência para substituir por uma nova tendência. Hoje tudo se mistura, há vários conceitos de progresso e realidades diferentes e isso influencia como contamos as histórias, ou como pintamos. Mas sobretudo a arte conforta, fazemos isto para dar conta daquilo ao qual a vida não é capaz de dar respostas. A arte abre-nos as janelas.

Existe alguma dica ou conselho que gostarias de partilhar com outros artistas que desejam seguir os teus passos?

É preciso ter muita força, resiliência e crença. Embora não tenha sido difícil chegar até aqui, também não foi muito fácil. Todos os dias há um obstáculo, um desafio artístico, um preconceito a enfrentar… não ligo para problemas. Tive liberdade desde cedo, não quis uma vida convencional mas sempre tentam nos dizer como, ser, agir, existir. Seres tu mesmo é um ato heróico! Eu amo-me com tudo, não mudaria absolutamente nada. Só quero mais oportunidades para poder existir, com a minha arte. Sou persistente.

Quais são os teus próximos projetos?

 
 
 
 
 
 
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Neste momento estou a preparar uma exposição de pinturas na Ilha da Madeira, ainda sem data definida, mas organizando detalhes e procurando apoios. É fundamental estabelecer parcerias e essas são bem vindas. A minha percepção sobre a Ilha ampliou-se e está a ser desafiante absorver isso na pintura. Vivo aqui, sou impactado visualmente pelas cores locais e percebo como reajo a isso na pintura.r parcerias. A minha percepção sobre a ilha ampliou-se e está a ser desafiante pintar a Madeira.

Vivo aqui, sou impactado visualmente pelas cores locais e percebo como reajo a isso na pintura.

Pintura a óleo
“Cuauéloti” Monstera deliciosa e filhotes melros-pretos
Pintura a óleo sobre tela
120×120 cm
2023 © Adonis Galvão

Sendo o La Vida es Mara um blog de viagens será que nos poderias dizer que experiências de viagem te fizeram crescer enquanto artista? Tens alguma recordação em especial que gostarias de partilhar?

Posso dizer que já viajei o suficiente, nunca é demais, para poder dizer que ao conhecer outros lugares, nos conhecemos melhor, aprendemos a perceber com as diferenças que existem muitas formas de se viver e são na maioria muito agradáveis. Falando em arte, já fiz algumas viagens tanto em países do Continente Americano quanto na Europa e sempre dou prioridade às experiências culturais.

Tento absorver o local, entender a cultura local e aprender com ela. Há tantas lembranças de viagens… mas pensando em algo especial como artista e sendo um latino americano eu me sugiro Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo, em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil, encravado num extenso território dentro da Mata Atlântica, com muitos pavilhões dedicados à arte contemporânea com muitos artistas do Brasil e do mundo. Arte diversa e natureza exuberante.

Poderás conhecer mais sobre o trabalho do Adonis Galvão aqui

One reply to “Adonis Galvão: as influências da cultura tupi na Madeira”

  1. Helena Brandão diz:

    Parabéns!!Os teus trabalhos são extraordinários,transmitem bem a tua energia que é tão boa!Assim que te conheci, percebi que és uma pessoa cheia de luz e boas vibrações,uma grande alma de artista!Que tenhas muito sucesso!!

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